Origens da Técnica Psicanalítica

A prática psicanalítica surge se dedicando a histeria, ao final do século XIX, originando uma clínica que privilegiava a escuta, se valendo da catarse e da hipnose. Em Estudos sobre a Histeria (1895), Freud e Breuer descreveram os casos de mulheres que exibiam sintomas dissociativos ou conversivos que provinham da própria psique do indivíduo doente, uma vez que os afetos eram recalcados e a lembrança correspondente ao evento sustentava os sintomas (BARBOSA, 2014, p. 113). No entanto, os psicanalistas em questão não concordavam em relação a essa etiologia do distúrbio. Por um lado, Freud argumentava que a dissociação era ocasionada por um conflito psíquico relacionado a um trauma sexual na infância, enquanto Breuer destacava a causalidade fisiológica (ROUDINESCO, 2016, p. 94).

“A resistência notada por Freud na vigília de seus pacientes seria a mesma força que, quando do acontecimento dos traumas, efetuou a repulsão das representações desagradáveis para fora da cadeia consciente de pensamentos.”

Barbosa (2014, p. 114)

            Freud abandona a hipnose tanto em seu uso sugestivo, quanto naquele em que usava desse instrumento a fim de fazer com que seu paciente rememorasse o evento traumático causador de sintoma (BARBOSA, 2014, p. 114). Assim, acaba por se deparar com a resistência[1] psíquica dos sujeitos. Com isso, Freud assinala o conceito de repressão laboriosa, o que implica nos mecanismos da resistência e do recalque atuando conjuntamente em prol do esquecimento de reminiscências patogênicas.

            Em 1890, Freud inicia a psico-análise, método em que se senta atrás do divã em que o paciente se deita para discursar, se atentando ao discurso com o objetivo de desvelar o inconsciente do analisando (ROUDINESCO, 2016, p. 98). Apenas dez anos depois, A Interpretação dos Sonhos é publicada, trazendo a regra da associação livre, apresentando a primeira tópica, o inconsciente e frisando a interpretação das representações.

            De acordo com a primeira tópica, a vida psíquica é dicotomizada em inconsciente e consciente. O inconsciente é o depósito de forças invisíveis e incontroláveis, traduzidos em desejos, impulsos ou instintos que movem ações e sentimentos. Logo, é a explicação de sonhos, lapsos e esquecimentos, sendo objeto de maior interesse da teoria psicanalítica. Por seu turno, o consciente se trata de um processo incapaz de ser observado de maneira objetiva e é o único nível da vida mental diretamente disponível para nós. A relação entre ambos se desencadeia quando os processos inconscientes foram suficientemente disfarçados ou distorcidos para escapar da censura, uma vez que lembranças indesejáveis geram ansiedade.

            Por fim, o pré-consciente guarda elementos que não são conscientes, porém podem virar conscientes prontamente ou com a presença de alguma dificuldade como, por exemplo, lembranças, percepções e ideias. As fontes de conteúdo dessa instância são, em sua maior parte, livres de ansiedade e similares a imagens conscientes.

            A segunda tópica consiste em constructos que interagem com os três níveis da vida mental acima, sendo elas id, ego e superego. O id representa a porção mais primitiva da psique e é inconsciente por completo, isto é, é um componente não conhecido da personalidade. Essa instância não possui contato com a realidade, porém se esforça para reduzir as tensões e satisfazer desejos básicos, servindo ao princípio do prazer. O único constructo que se comunica com a realidade é o ego, que é regido pelo princípio da realidade. Consequentemente, se trata do ramo executivo da personalidade e é responsável pela tomada de decisão. O ego busca reconciliar as reivindicações do id e superego com as demandas do mundo externo, sofrendo com ansiedade e usando de mecanismos de defesa.

            Logo, o superego representa aspectos morais e ideias da personalidade, guiado por princípios moralistas e idealistas. Ele se desenvolve a partir do ego e porta dois subsistemas: consciência e ideal do ego. Se bem desenvolvido, o superego atua para controlar impulsos sexuais e agressivos por meio da repressão.

            Através da associação livre, os pacientes são convidados pelo analista a discursarem sem censuras e “[…] com bastante ênfase exige deles que não excluam nenhum pensamento ou nenhuma ocorrência da comunicação pelo fato de lhes parecer vergonhoso ou embaraçoso” (FREUD, 2016, p. 38). Por meio dessa técnica, o inconsciente se faz mais acessível.

            No texto, O Método Psicanalítico Freudiano (1904 [1905]), Freud coloca que a psicoterapia empreendida por ele, chamada Psicanálise, tem seu germe no processo catártico. As alterações nesse procedimento foram, a princípio, de cunho técnico, dispensando da sugestão para, depois, abandonar a hipnose em definitivo, pois essa técnica desviaria e encobriria as resistências. Agora, portanto, a técnica psicanalítica estaria comprometida em cessar com as amnésias, reverter os recalques, fazer do inconsciente alcançável frente ao consciente (FREUD, 2016, p. 39-40) e, ademais, delineia os casos indicados, exigências ao paciente a ser submetido a tratamento e a duração desse.

            Em Lembrar, Repetir e Perlaborar (1914), Freud sintetiza esses três momentos da técnica psicanalítica, sendo o primeiro deles com a catarse de Breuer em que se enfatiza o momento da formação dos sintomas, pretendendo lembrar e ab-reagir através do estado hipnótico. O segundo período objetivava driblar a resistência do analisando, usando da interpretação e inferindo o que o paciente não recordava a partir de suas associações livres. O foco ainda residia nas formações de sintomas e derivados do adoecimento e responsabilizava o analisando a superar críticas. Enfim, a técnica tida como atual no referido texto utilizava da interpretação para reconhecer resistências a fim de as fazer consciente ao paciente, visando preencher as lacunas da lembrança e superar a resistência provinda do recalque.

            No texto A Análise Finita e Infinita (1937), Freud coloca que o emprazamento do tratamento psicanalítico é capaz de ocasionar a perda de confiança do paciente em relação a seu analista quando prorrogado. Contudo, reconhece as tentativas de encurtamento da análise, tal como feito por ele mesmo no caso do Homem dos Lobos, e aquelas por estudadas por Rank e Ferenczi (BRAIER, 2008, p. 10-11).


Tamiris Monção Weinert

Olá! Sou psicóloga, busco oferecer atendimento de qualidade e contribuir para a saúde mental dos pacientes por meio da integração entre conhecimento psicológico e filosófico e atualização profissional contínua. Experiência Durante minha formação, participei de grupos de pesquisa que abordam temas relevantes para a psicologia, como Introdução à Psicanálise (2020) e Psicologia Forense e Criminal …


Referências Bibliográficas

FREUD, Sigmund. Fundamentos da Clínica Psicanalítica. Tradução de Pedro Heliodoro Tavares, revisão técnica Maria Rita Salzano Moraes. Belo Horizonte: Autêntica, 2016. (Obras incompletas de Sigmund Freud, v. 6).

FERENCZI, Sándor. Final Contributions to the Problems and Methods of Psycho-Analysis. Tradução de Eric Mosbacher et al. Londres e Nova York: Karnac., 2002.

BRAIER, Eduardo Alberto. Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica. Tradução de IPEPLAN. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

HEGENBERG, Mauro. Psicoterapia Breve. 3ª edição. Casapsi Livraria, Editora e Gráfica Ltda, 2010.

FIORINI, Héctor Juan. Teoria e Técnica de Psicoterapias. Tradução de Maria Stela Gonçalves. Revisão técnica de Cláudia Berliner. 2a ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

ROUDINESCO, Elizabeth. Sigmund Freud na sua Época e em Nosso Tempo. Rio de Janeiro, Zahar, 2016.

BARBOSA, Mariana de Toledo. Freud e a Criação da Técnica Psicanalítica. Ayvu, v. 01, n. 01, p. 110-125, 2014.